Assembleia Guarani Yvyrupa: reparação territorial, políticas públicas e renovação de lideranças em dias de intensos debates

Por Assessoria FLD
Fotos: Ana Paula Soukef e Fábio Conterno
Acordo emergencial para compra de áreas avança, mas luta por reparação histórica continua; iniciativas como o projeto OPANÁ: Chão Indígena mostram caminhos para fortalecimento comunitário
Sob os cantos sagrados das xondarias e dos xondaros, mais de 600 lideranças Guarani do Brasil reuniram-se, entre os dias 24 e 28 de março, para a Assembleia Geral da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY). O encontro, realizado no Tekoha Aty Miri, território tradicional Tekoha Guasu Guavirá, em Itaipulândia, no oeste do Paraná, marcou um momento decisivo: a homologação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de um acordo parcial de reparação com a Itaipu Binacional e a renovação das coordenações políticas do movimento
A importância do acordo para a compra de áreas para o povo Avá Guarani reforça a urgência de políticas públicas que fortaleçam essas comunidades. Exemplo disso é o projeto OPANÁ: Chão Indígena, já em execução em territórios Guarani no oeste e litoral do Paraná. Com foco em quatro eixos – sustentabilidade alimentar, água e saneamento, educação antirracista e fortalecimento cultural –, a iniciativa atende 900 famílias, promovendo roçados, quintais produtivos, criação de aves de dupla aptidão (ovos e carne), peixes e estruturas para água potável e banheiros ecológicos. Além disso, oficinas de educação antirracista para professoras e professores municipais buscam combater o racismo enfrentado pelas crianças Guarani nas escolas e pela população indígena.
“Este acordo é um passo, mas nossa luta segue até a devolução integral de nossas terras”, declararam as lideranças Avá Guarani durante a cerimônia de abertura da assembleia, que contou com a presença da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Joenia Wapichana, do ministro do STF Dias Toffoli e do diretor geral brasileiro da Itaipu, Enio Verri. O termo autoriza a Itaipu a adquirir, de forma emergencial, três mil hectares para 31 comunidades impactadas pela usina nos anos 1980 – beneficiando cerca de seis mil pessoas.
A equipe do projeto OPANÁ: Chão Indígena e do Programa COMIN da FLD também marcou presença na assembleia, além de instituições e organizações que trabalham em prol dos povos indígenas.
Acordo parcial e luta permanente
Apesar do avanço, o tom predominante foi de cautela. O acordo não extingue o processo de Ação Cível Originária (ACO) 3555 no STF, que cobra reparação integral pelo deslocamento forçado do povo Avá Guarani. Em carta lida no ato, as comunidades exigiram políticas amplas de reparação, incluindo o reconhecimento dos danos culturais e ambientais causados por Itaipu.
Nos dias seguintes, a assembleia transformou-se em espaço plural de debates. As coordenações regionais apresentaram um balanço trienal que revelou conquistas – como avanços em demarcações – e desafios urgentes, como a violência em áreas de conflito agrário. “Precisamos unir forças contra as ameaças que continuam a nos cercar”, alertou uma liderança do Mato Grosso do Sul.
Juventude e futuro
A participação do coletivo Tembiguai, de jovens Guarani, marcou o terceiro dia, com pautas como formação em direitos indígenas, apoio à comunidade LGBTQIA+ e comunicação comunitária. Horas depois, a eleição democrática das novas coordenações (regionais, estaduais e tenondé) reforçou o caráter coletivo da organização.
O encerramento consolidou os eixos de atuação para os próximos três anos: monitoramento do acordo com Itaipu, pressão por demarcações e ampliação de alianças. “Nosso povo não espera mais 40 anos por justiça”, resumiu uma das novas coordenadoras, ecoando o sentimento de que o acordo é um ponto de partida – assim como projetos como o OPANÁ demonstram que políticas públicas efetivas são possíveis e urgentes.
Contexto histórico
A Usina de Itaipu, construída durante a ditadura militar, deslocou comunidades e inundou territórios sagrados. O acordo no STF é a primeira resposta concreta a uma luta judicial de décadas, mas as lideranças deixaram claro: a reparação total exigirá terra, políticas estruturantes e o fim do racismo – combate que começa, como mostra o OPANÁ, na educação e na autonomia dos territórios.